domingo, fevereiro 17

Carta à saudade

Ontem à noite tocava na rádio "Suzanne" de Leonard Cohen e inevitavelmente lembrei-me de ti. A voz de Leonard Cohen tem o condão de fazer-me regressar a ti.
A noite passada noite sonhei contigo. Sonhei que me levavas pela tua mão a passear. Larguei a tua mão e corri na direcção do horizonte. Parei e voltei-me para ti... mas já não estavas lá.

Podia escrever-te todas as semanas. Podia escrever-te todos os dias. Pensei fazê-lo várias vezes, mas... se bem te lembras, nesta correria desenfreada que é a vida, falta-nos sempre tempo para cuidar as mazelas do espírito.
E assim se passaram anos desde a minha última carta, aquela em que me despedi com "estás longe, mas estás sempre comigo". Foi talvez das coisas mais simples e sentidas que escrevi. E acredites ou não, continuas a ser a minha verdade mais intocável! Não há dia que passe e que não me lembre de ti; ou porque o céu está pintado daquele azul que tanto gostavas, ou porque estou num sítio que irias amar, ou simplesmente porque queria partilhar contigo de viva voz mais um momento.
É certo que continuamos a conversar, mas sabes avô, já não consigo ouvir a tua voz. A memória atraiçoou-me! Ficaram as tuas expressões, os teus gestos, mas a tua voz já me falha. Por vezes, muito raramente, consigo ouvir-te rir, e aí... rio-me também.
Há pouco tempo, numa daquelas noites em que o céu nos obriga a constatar o quão pequeninos somos, imaginei que eras a estrela que mais brilhava, sempre ali a vigiar-me. Não foi a primeira vez que imaginei-te como tal, e confesso-te, que a ideia de ter uma estrelinha no céu a proteger-me é muito confortante. Porque sabes avô, isto do abstracto nem sempre é fácil. Por aqui como sabes, temos tendência a materializar tudo, até mesmo os sentimentos têm de ter um interlocutor físico, algo que os olhos possam alcançar; um corpo, um objecto... uma estrela. E são tantas vezes, meras fantasias que ironicamente, nos dão uma maior sensação da realidade. E é nessa realidade que vamos aprendendo a lidar com o tempo, com a crueldade da saudade; a ver-te sem estares, a escutar-te sem falares, a sentir-te sem nos tocares.

11 criaturas afundaram esta pérola:

Su disse...

belo e bem expresso esse sentir....a ausencia presente----

jocas maradas...sempre

Anónimo disse...

Gostei desse "canto".

Zb disse...

ficam para sempre no nosso coração aquelas pessoas queridas que já não estão entre nós.
beijos.

ps: e o Cohen tem uma voz espectacular, tem lá isso tem, eu diria mesmo, doce

Miguel Noite disse...

Tá lindo... mesmo!
Nem sempre é fácil, mas as pessoas que amamos ficam sempre aqui <3

Miguel Noite

Nuno disse...

Não te sabia tão fantásticamente sensível. Gostei muitíssimo deste teu post. Meu avô foi o meu primeiro grande heroi, recordo-o com muita saudade e gostaria de lhe ter escrito algo parecido...mas não tenho esta tua capacidade. Esteja onde estiver meu avô, dir-lhe-ei que venha ler-te e que pense que era isto que eu lhe diria... se fosse capaz.

Nuno

MouTal disse...

Gostei...muito.
Abraço.

Rui Rebelo Gamboa disse...

Very nice, indeed!

Na playlist da 'Máquina' está Song Long Marianne. Espero que sirva de inspiração para mais um texto assim.

Merchi disse...

... adorei a última frase!

Rute disse...

=D O ausente que estará sempre presente. Bem presente mesmo.

Sancho Gomes disse...

Não vale a pena manchar esta tua epístola com elogios. Ao teu melhor nível!
Abraço,

Pedro Espírito Santo disse...

Heaven is a place nearby
So I won't be so far away
If you try and look for me
Maybe you'll find me someday.

Lene Marlin


Oiça esta música e atente na letra, é uma ordem.