quarta-feira, julho 18

Leituras - A sombra do Vento

Tudo começa numa madrugada fantasmagórica, do ano 1945 em Barcelona. O pai de Daniel Sempere leva-o a um misterioso lugar no coração do centro histórico da cidade, o Cemitério dos Livros Esquecidos. O lugar, conhecido de poucos barceloneses, é uma biblioteca secreta e labiríntica que funciona como depósito para obras abandonadas pelo mundo, à espera de que alguém as descubra. É lá que Daniel encontra um exemplar de A Sombra do Vento, do também barcelonês Julián Carax.



A Sombra Do Vento de Carlos Ruiz Zafón é um mistério literário passado em Barcelona da primeira metado do século XX, desde os últimos esplendores do Modernismo até às trevas do pós-guerra. É um livro maravilhoso, com uma narrativa cativante. Um inesquecível relato sobre os segredos do coração e o feitiço dos livros.
Deliciem-se com alguns fragmentos.


"-Sossegue, senão ainda cria uma pedra no fígado - aconselhou Fermín.
-Isto da corte é como o tango: aburdo e pura fioritura. Mas o homem é o Daniel e é a si que lhe compete tomar a iniciativa.
Aquilo começava a adquirir um cariz funesco.
-A iniciativa? Eu?
-Que quer? Algum preço tinha de ter o poder mijar de pé."




"-O Daniel agora não percebe isso, porque é jovem. Mas com o tempo verá que o que conta às vezes não é o que se dá, mas sim o que se cede."



"-Houve três grandes figuras neste século: Dolores Ibárruri, Manolete e José Estaline - proclamou o taxista, disposto a obsequiar-nos com uma pormenorizada hagiografia do ilustre camarada.
Eu viajava comodamente no assento de trás, alheio à perorata, com a janela aberta e gozando o ar fresco. Fermín, encantado por se passear num Studebaker, dava trela ao condutor, pontuando de vez em quando o enlevado esboço do líder soviético que o taxista glosava com questões de duvidoso interesse historiográfico.
-Pois consta-me que sofre muitíssimo da próstata desde que engoliu um caraço de nêspera e que agora só consegue urinar quando lhe trauteiam A Internacional - deixou cair Fermín
-Propaganda fascista - esclareceu o taxista, mais devoto que nunca. - O camarada mija como um touro. Tomara o Vouga ter tamanho caudal para si."




"O destino costuma estar ao virar da esquina. Como se fosse um gatuno, uma rameira ou um vendedor de lotaria: as sua três encarnações mais batidas. Mas o que não faz é visitas ao domicílio. É preciso ir atrás dele."



"A televisão, amigo Daniel, é o Anticristo, e digo-lhe que bastarão três ou quatro gerações para que as pessoas não saibam nem dar peidos por sua conta e o ser humano regresse às cavernas, à barbárie medieval e a estados de imbecilidade que a lesma já ultrapassou lá para o pleistoceno. Este mundo não morrerá de uma bomba atómica, como dizem os jornais, morrerá de riso, de banalidade, fazendo uma piada de tudo, e aliás uma piada sem graça."



"As pessoas para abrir o bico estão sempre prontas. O homem não vem do macaco, vem da galinha."

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