... Miguel Carvalho, (jornalista da revista Visão) pela autoria do texto que se segue:
DRENe-se!
Portugal tem uma relação íntima com os bufos. Ou os bufos com Portugal, vá.
A PIDE não era apenas uma polícia política que chafurdava, perseguia, prendia e mandava matar. A PIDE era, sobretudo, o depósito da recolha pormenorizada das indiscrições e desvios, públicos e privados, que cidadãos anónimos, diligentes e respeitáveis, recolhiam acerca de vizinhos, amigos e conhecidos nas horas do seu vagar.
Os agentes da PIDE, encartados, só podiam ser do piorio - como foram - porque havia carradas de bufos à disposição. Na repartição, no gabinete, nas redondezas, na família e até no confessionário. Com um exército voluntário de verdugos, até eu montava uma polícia política com uma perna às costas. Em democracia e sem se dar por isso.
Uma vez, tentei chegar à fala com um «pide», conhecê-lo por dentro. Não digo «ex-pide», claro. Pode ser-se ex-marido, mas nunca ex-facínora. Trabalhava ele numa junta de freguesia do Norte do País, a secretário. Sem se notar. Como sempre. Pedi-lhe uma entrevista sobre os «velhos tempos», mas ele só queria falar dos novos. E mandou-me pregar para outra freguesia, convertido que estava à democracia de paróquia.
De há uns tempos para cá que venho alertando aqui mesmo para a proliferação dos «pides» de gabinete e de corredor que por aí andam, esses sim, verdadeiramente perigosos e activos, especialistas em ar rarefeito. À beira deles, o PNR mete tanto medo como um gambozino.
Em democracia ou na falta dela, os bufos estão sempre à espreita de um passo em falso do colega do lado. Uns são de antigamente, outros aprenderam andando. Ah! E imitam-se uns aos outros. Um bufo de sucesso tem sempre um regimento por conta de bufos juniores, prontos a aprender com o melhor.
De uma maneira ou de outra, andam aí, empenhados no seu dever, apenas um tanto desorganizados. Os bufos não têm Ordem, nem sindicato. Ainda. Não são um lóbi, não têm sede, nem estatutos. O que dificulta, pelo menos, a construção de uma base de dados sobre os maus comportamentos a vigiar. Mas ao menos o disfarce é garantido.
Não é estranho, claro, que no caso do professor Charrua apanhado a contar uma suposta anedota insultuosa sobre o Primeiro-Ministro se tenha falado de tudo menos do bufo ou dos bufos de plantão. Já se defendeu a demissão da directora regional e saiu-se em defesa do antigo deputado do PSD. Mas os bufos, impávidos e serenos, passam pelos pingos de chuva sem se molhar.
Eficientes e discretos, como sempre.
E não se pode DRENá-los?
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Não se iluda... Este blog é somente um exercício de higiene íntima
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